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Dentro de dois dias, o Brasil mergulha novamente em sua maior festa, o Carnaval. De norte a sul, ruas, blocos e desfiles transformarão o país em um grande espetáculo de cores, música e corpos em movimento. Mas será que o Carnaval é só isso? Se Mikhail Bakhtin estivesse entre nós, ele nos lembraria que essa explosão de alegria esconde algo mais profundo: uma lógica subversiva, uma linguagem de inversão e resistência.
O filósofo russo, ao estudar a cultura popular medieval e renascentista, enxergou no carnaval um momento em que as hierarquias são temporariamente suspensas e as regras do cotidiano perdem seu peso. Durante a festa, o rei vira plebeu e o plebeu pode se tornar rei – nem que seja apenas no enredo de uma escola de samba ou na fantasia irreverente de um folião. O riso, o exagero e a sátira carnavalesca não são meros adornos: são a voz de um povo que, em sua alegria desmedida, desafia a ordem estabelecida.
E o que esperar do Carnaval de 2025, em um Brasil atravessado por tensões políticas e sociais? Certamente, a festa não se furtará a retratar os desafios do país. Como nos últimos anos, os enredos das escolas de samba devem trazer narrativas que dialogam com a realidade: críticas à desigualdade, à intolerância e ao conservadorismo. Nos blocos de rua, as marchinhas e fantasias refletirão – com ironia ou deboche – os temas que dominam as manchetes. Dos desfiles do Rio e de São Paulo às manifestações culturais do Nordeste, veremos um Brasil que canta e dança sua própria história, mas sem deixar de questioná-la.
Se há um espaço onde a "carnavalização" de Bakhtin se manifesta de forma plena, é aqui. Não apenas nos quatro dias de folia, mas na cultura brasileira como um todo, onde a sátira e a irreverência são formas legítimas de discurso. O Brasil ri, mas seu riso é politizado. Ele brinca, mas a brincadeira é séria. No Carnaval, a transgressão não é apenas permitida – ela é celebrada.
E assim, enquanto a música ecoa pelos becos e avenidas, enquanto corpos dançam sem medo, enquanto as ruas se tornam palco para o grande teatro do povo, Bakhtin sorri de longe. No riso do folião, na ousadia do enredo, no batuque dos tambores, está viva a essência do que ele chamou de carnavalização: um instante em que tudo pode ser questionado, tudo pode ser dito, e o mundo, ao menos por alguns dias, parece se reinventar.
Fonte: Estética da Criação Verbal, M. Bakhtin