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Havia uma cidade esquecida no tempo, um lugar onde a realidade era construída com tinta e papel. Seus habitantes não trocavam ouro, mas sim histórias, e o poder ali não pertencia aos reis, mas aos poetas. Chamavam-na de Bibliopolis, e seus muros eram erguidos não com pedra, mas com narrativas entrelaçadas.
No coração dessa cidade, em uma torre de pergaminhos e ideias, vivia um homem conhecido apenas como O General das Palavras. Seu nome verdadeiro se perdera nas entrelinhas do tempo, mas sua presença era inegável. Diziam que suas palavras tinham o peso de exércitos, que seus contos eram armas e que sua poesia podia levantar muralhas ou derrubá-las. Ele compreendia aquilo que os tiranos temiam: que a ficção não apenas refletia o mundo, mas o moldava.
Certa manhã, um decreto veio do Reino do Silêncio, uma nação vizinha que via com olhos desconfiados o poder das histórias. O decreto era simples e brutal: Toda ficção é uma ameaça à ordem. A verdade será única e incontestável. E então os soldados do Silêncio marcharam para Bibliopolis, carregando tochas e tratados frios, prontos para queimar cada estante, calar cada voz.
Mas O General das Palavras já esperava. Ele subiu no ponto mais alto da cidade e ergueu sua pena como um guerreiro ergue sua espada. Não clamou por armas, nem por resistência. Ele contou uma história. E essa história atravessou o ar como um encantamento, como um feitiço ancestral que reescrevia a própria realidade.
Falou de um tempo onde reis eram coroados não pelo sangue, mas pela imaginação. De uma era onde fronteiras eram apenas versos em um poema mal escrito. De um mundo onde o futuro não pertencia aos que detinham poder, mas aos que sabiam narrá-lo. E enquanto falava, algo extraordinário aconteceu.
Os soldados do Reino do Silêncio começaram a hesitar. Seus rostos, antes firmes, se tornaram incertos. Alguns lembraram da infância, das histórias que os faziam dormir à noite. Outros perceberam que o próprio decreto que carregavam era feito de palavras – palavras que, como qualquer outra, podiam ser desfeitas. Um a um, abaixaram suas armas. Um a um, voltaram-se para O General das Palavras e escutaram.
No dia seguinte, o Reino do Silêncio já não existia. Fora dissolvido não pelo aço, mas pela narrativa. Seus muros desmoronaram sob o peso da dúvida, e no lugar do decreto surgiu uma nova lenda: a de um escritor que derrotou um exército com uma única história.
Desde então, dizem que Bibliopolis nunca caiu. Dizem que enquanto houver quem conte histórias, enquanto houver quem acredite nelas, o mundo nunca pertencerá aos que querem silenciá-lo. Pois a trincheira da guerra na pós-modernidade não está nos campos de batalha – está nos livros, nos poemas, nas telas digitais onde histórias nascem e se espalham. E quem segura a pena, meu amigo, segura o destino do mundo.